02.05.2022

A ata notarial como meio de prova na era digital

Por Danielle A. Gambaratto dos Santos

Na sociedade em que vivemos hoje, qualquer informação pode ser acessada com um simples toque na tela do smartphone. As barreiras geográficas e temporais, que faziam com que uma carta demorasse semanas para chegar ao seu destinatário, não existem mais para os usuários de serviços de mensagens instantâneas e de correio eletrônico. Escolher e comprar uma mercadoria de um fornecedor estabelecido em outra cidade, estado ou país também já não é problema; pode-se fazer toda a transação utilizando o mesmo smartphone que foi utilizado, minutos antes, para comentar as postagens de um perfil de rede social.

Se, por um lado, as tecnologias disruptivas trouxeram dinamismo às relações interpessoais, por outro lado, não se pode negar que facilitaram práticas ilícitas, cujos efeitos danosos podem reverberar tão rápido quanto uma mensagem instantânea. E, então, como comprovar ilícitos postados em redes sociais, ou veiculados em sites ou ainda realizados através de WhatsApp, se não há registro físico?

Usualmente, as pessoas fazem capturas de tela para registrar o fato e, a partir daí, procuram assessoria jurídica para adoção das medidas judiciais cabíveis. Ocorre que a confiabilidade de prints screens pode ser facilmente questionada, especialmente quando a prova do fato depende única e exclusivamente de tal captura de tela, uma vez que são passíveis de adulteração e fraudes.

Assim, uma forma simples de se obter um “atestado de autenticidade” de texto, de imagem ou de som gravado em arquivo eletrônico é a lavratura de instrumento público denominado ata notarial. Para tanto, basta procurar qualquer Tabelionato de Notas e informar o fato que se deseja registar para que a ata seja lavrada.

Por exemplo, se o objetivo do registo for mensagem de voz recebida por WhatsApp, o tabelião acessará o aplicativo do celular do destinatário, registrará dados técnicos do aparelho, a data e hora do acesso, o dia do recebimento, o telefone do remetente e transcreverá o conteúdo exatamente conforme foi recebido, além de juntar os prints que entender pertinentes para relatar o fato. Aqui tudo isso terá validade, uma vez que certificados por quem é dotado de fé pública.

Dependendo da natureza do fato, a ata notarial poderá ser lavrada de forma digital, sem a necessidade de comparecimento em cartório, via videoconferência, desde que o requerente tenha certificado digital, consoante autoriza o Provimento nº 100 de 26/05/2020 do Conselho Nacional de Justiça.

Importante destacar que o tabelião não irá exarar juízo de valor, limitando-se a narrar os fatos e, justamente por isso, a ata notarial poderá também registrar atos lícitos e assim prevenir litígios e resguardar direitos.

A ata notarial tem ganhado destaque porque, embora não seja entendimento majoritário, já é possível encontrar julgados que afastam as capturas de tela como meios de prova quando não acompanhadas da respectiva ata lavrada. A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, decidiu, no começo do ano passado, que mensagens obtidas por meio de captura de tela do WhatsApp Web não podem ser utilizadas como provas. Muito embora esse entendimento não tenha caráter vinculante, é um precedente importante, especialmente na esfera criminal.

Na esfera civil, desde o advento da Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil), a ata notarial foi expressamente reconhecida no artigo 384 do referido diploma legal como meio de comprovar a existência e o modo de existir de algum fato, inclusive de dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos, demonstrando a preocupação em abarcar fatos ocorridos em ambiente virtual.

Por fim, cabe uma crítica. A despeito de há anos a ata notarial ser reconhecida como meio de prova apta para registrar fatos, inclusive aqueles ocorridos em ambiente virtual, os emolumentos cobrados para sua lavratura podem ultrapassar, facilmente, a ordem de mil reais, dependendo do estado federativo em que estiver situado o Tabelião de Notas. Isso restringe, em muito, o seu acesso à maioria da população.  

Danielle A. Gambaratto dos Santos é advogada na TMB Advogados, integrante do time de Contratos e Societário, graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, pós-graduada em Contratos pela ESAMC e pós-graduanda em Advocacia no Direito Digital e Proteção de Dados pela EBRADI.

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