14.06.2021

A LGPD e os desafios nas relações de trabalho: como resolver?

Por Gabriela Lousada

Em tempos de pandemia, é notório que os avanços tecnológicos, a velocidade das informações e as relações globalizadas vieram para alterar o mundo e as relações jurídicas.

A busca desenfreada pela simultaneidade das informações trouxe a necessidade de uma legislação de proteção de dados, visando a garantia dos princípios fundamentais e interferindo diretamente nas relações jurídicas. E por falar em relações jurídicas, por que não falar nas relações de trabalho?

A Lei nº 13.709/2018, denominada Lei Geral de Proteção de Dados, aplica-se às pessoas jurídicas responsáveis pelo tratamento de dados pessoais e dados pessoais sensíveis de pessoas naturais. Nessa toada, nas relações trabalhistas não será diferente: o tratamento de dados inicia-se no processo de seleção, estende-se durante todo o contrato de trabalho e finda-se com a rescisão, com ressalva aos armazenamentos relativos à prescrição trabalhista.

Por essa razão, mais do que nunca se ouviu falar em compliance trabalhista como cultura de adequação às garantias constitucionais, e também, como ferramenta de redução da judicialização de conflitos na esfera laboral, principalmente aqueles instados por questões discriminatórias.

Atualmente, mesmo após a promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados e depois de inúmeros materiais divulgados sobre a LGPD, como artigos de internet, palestras, workshops e encontros virtuais, muitas empresas ainda não estão satisfeitas ou mesmo convencidas quanto a implementação e a adequação à LGPD. Em uma visão mais cética, muitos não sabem nem por onde começar.

 A dificuldade, por sua vez, é mais do que justificável: a lei brasileira não contempla disposição expressa acerca das relações de trabalho.

Onde permanecem os maiores desafios no âmbito das relações de trabalho?

O primeiro dele diz respeito à indicação do encarregado. Muitos indagam sobre o risco de futuras alegações de acúmulo de função e/ou desvio de função.

As atividades do encarregado estão discriminadas no artigo 41 e parágrafos, da LGPD. Em resumo, ao encarregado competirá aceitar reclamações e comunicações dos titulares, receber comunicações da autoridade nacional e adotar providências, bem como orientar os funcionários e contratados a respeito das práticas a serem tomadas em relação à proteção de dados.

O exercício de atividades diversas, mas que sejam compatíveis com a condição pessoal do trabalhador e a função para qual foi designado, não enseja o pagamento de diferença salarial por acúmulo ou plus salarial por desvio de função, desde que as tarefas sejam desempenhadas dentro da jornada de trabalho. É necessário, sim, uma avaliação criteriosa.

Feitas essas considerações, o desafio também está no conflito de interesses ao se escolher o encarregado.

Veja-se que as atribuições do encarregado confundem-se, por exemplo, com as daqueles que exercem poderes de mando e gestão nas companhias. Por essa razão, ao se indicar a pessoa de  maior hierarquia dentro da empresa, a situação pode vir a ensejar certa parcialidade nas condutas e decisões.

A boa notícia é que o encarregado pode ser qualquer um dos membros do quadro de colaboradores da empresa ou um terceiro contratado, inclusive podendo também ser uma pessoa jurídica. Abre-se, então, um leque de possibilidades, que pode ser a resolução do desafio por ocasião da indicação.

Outra dúvida advém principalmente do departamento de recursos humanos. Tudo porque, como já dito, o compliance trabalhista, na Lei Geral de Proteção de Dados, inicia-se desde o processo seletivo.

A dúvida é: como eu devo adequar-me à LGPD no processo seletivo de candidatos? A resposta está na diminuição da coleta e armazenamento de dados.

Melhor discorrendo, recomenda-se ao departamento pessoal muita cautela, posto que de maneira nenhuma pode a companhia discriminar  candidatos, nem mesmo no anúncio da vaga de emprego. Coletas relacionadas a gênero e religião, por exemplo, devem ser evitadas, seja por meio de questionário ou mesmo em entrevistas. Mais uma vez: jamais poderá ocorrer coleta de dados com intuito discriminatório.

Os desafios são inúmeros e as dúvidas não param por aí. Uma das medidas mais adotadas durante a pandemia, e que continuará em muitas empresas no pós pandemia, diz respeito ao teletrabalho, com previsão incluída no artigo 62, inciso III, da Consolidação das Leis Trabalhista.

Nessa senda, partindo-se do pressuposto de que diversos colaboradores estão, de suas casas,  lidando com dados de clientes ou mesmo de empregados, a depender de seu setor de trabalho, as preocupações das empresas dispararam.

A recomendação é a de que a empresa elabore ou reforce seus códigos de ética e de conduta, para garantir a segurança, formalizando a ciência a todo seu pessoal. No mais, por que também não prever punições em caso de descumprimento? Está no poder diretivo do empregador desde que, é claro, seja analisado o grau das condutas. O bom-senso é fundamental.

O artigo 50 da Lei Geral de Proteção de Dados também disciplina regras de boa prática e governança – corroborando com a própria instituição do compliance – a fim de que se estabeleça uma cultura de privacidade, que deve permear por toda a organização com apoio dos mais diversos setores, como TI, departamento jurídico e recursos humanos.

De toda a forma, o assunto está longe de ser esgotado e, como consequência, as dúvidas e os desafios da vivência prática muito menos. A recomendação mais valiosa nas relações de trabalho é: treinem seus colaboradores, apresente-lhes à LGPD, seus conceitos, forneçam-lhe exemplos práticos e criem, sim, políticas com uma linguagem clara, uma vez que nem sempre os incidentes de segurança e os vazamentos de dados decorrem de ataques externos, mas sim do seu próprio pessoal.

Gabriela de Paula Lousada é advogada do time Trabalhista da TMB Advogados.

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