30.11.2020

Background Check nas Relações de Emprego – Limites para a Legalidade

Por Antônio José do Nascimento Lourenço

Recentemente, o acúmulo de “mentiras” presentes nos currículos de alguns integrantes do Poder Público e candidatos a cargos de destaque nos Poderes da República reanimaram uma preocupação também para o setor privado: a necessidade de “background check” (investigação de antecedentes, em tradução livre) de candidatos a vagas de emprego.

A fase pré-contratual nas relações de emprego, assim como em todas as fases de negociações e fechamento de contratos, deve ser pautada pela boa-fé nas ações de todas as partes envolvidas. Tanto a empresa deve ser clara nos requisitos exigidos em sua proposta e nas etapas do processo seletivo, quanto o candidato deve ser transparente sobre suas qualificações, experiências e pretensões.

Contudo, muitas vezes, não por má-fé e nem por intenção de se beneficiar da própria torpeza, as partes contratantes cometem excessos que podem gerar expectativas não correspondidas futuramente.

Trata-se da famosa “mentirinha” no currículo. Uma pesquisa feita em 2018 pela empresa DNA Outplacement demonstrou que 75% dos brasileiros mentem no currículo[1], sendo que as mentiras mais comuns são o aumento no valor do último salário e a fluência em língua estrangeira. Já o aumento no grau de escolaridade ou cursos falsos estariam presentes em 12% e 10%, respectivamente.

Por esse motivo, tem havido o aumento na realização de “background check”, isto é, de pesquisas sobre a realidade trazida nos currículos dos candidatos, um serviço oferecido por muitas empresas.

Essa situação levanta o questionamento sobre a legalidade dessa pesquisa sob a tutela da legislação e da jurisprudência trabalhistas.

As pesquisas de background escolar dos candidatos não têm regulação específica na legislação brasileira e não há jurisprudência consolidada nesse aspecto, de forma que sua legalidade deve ser analisada mediante situações análogas.

O Tema nº 1 dos Recursos de Revista Repetitivos do Tribunal Superior do Trabalho trata de uma situação conhecida: a exigência de certidão de antecedentes criminais para o preenchimento de vagas de emprego.

O referido entendimento consolida que “não é legítima e caracteriza lesão moral a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão de lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido”. Ainda, fixa que “a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais, quando ausente alguma das justificativas de que trata o item II, supra, caracteriza dano moral in re ipsa, passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido”. Ou seja, não há sequer necessidade de ser feita prova de qualquer dano à honra e à imagem para que haja o direito à indenização.

Além disso, as Leis nº 9.029/95 e nº 9.799/99 combatem os atos discriminatórios na admissão e na manutenção dos empregos, principalmente no que toca a questão da exigência de testes de gravidez, atestados e declarações de procedimentos de esterilização, além da discriminação por raça, etnia, idade etc.

Não é demais concluir, portanto, que tanto a legislação quanto a jurisprudência pretendem combater atos discriminatórios, assim como proteger a intimidade dos empregados no ato da contratação e, principalmente, construir uma sociedade livre, justa e solidária nos moldes da Constituição Federal.

Quando tratamos do “background check” ou “pre-employment check”, esses parâmetros também devem ser respeitados até que exista jurisprudência consolidada ou regulamentação legal.

Assim, quando se pensa na verificação da escolaridade de um candidato, é preciso ter em mente sempre o respeito à intimidade, à honra e à dignidade, pautando-se, portanto, pelo razoável.

Exigir a apresentação de um diploma de graduação para um cargo que exige esse conhecimento, logo é razoável, mas ultrapassaria os limites da legalidade exigir que a graduação tenha sido feita em uma determinada faculdade.

Da mesma forma, não é razoável que se verifique em um histórico escolar as notas e dependências de um candidato como forma de justificativa para a admissão.

As mentiras no currículo podem ser facilmente descobertas pelas empresas em recrutamento com base em documentos que podem ser exigidos diretamente aos candidatos. Contudo, ir além desses documentos em vista de alguma necessidade ou dúvida pode acarretar em práticas que violam a intimidade dos candidatos e podem refletir em tratamentos discriminatórios na admissão.

Dessa forma, é importante que, no momento do recrutamento, se tenha em vista os parâmetros das leis e da Constituição Federal, de forma a sempre estar em conformidade com as melhores práticas.

[1] https://www.dnaoutplacement.com/blog/75-dos-brasileiros-mentem-em-seus-curriculos/

Antônio José do Nascimento Lourenço é advogado do time Trabalhista da TMB Advogados.

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