18.09.2020

Contratos de Locação durante a Pandemia da COVID-19

Por Ana Lígia Alves F. Fantinato

Uma das principais demandas que vem sendo alvo de análise pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, durante a quarentena implantada no Estado, é a possibilidade de redução ou até mesmo suspensão do aluguel de estabelecimentos comerciais que tiveram suas atividades interrompidas. Essa é uma questão que não está pacificada na Corte, de modo que, como apontamos em Informativos anteriores, temos decisões liminares favoráveis e desfavoráveis.

Como exemplo de liminares concedidas, a Desembargadora Daise Fajardo Nogueira Jacot da 27ª Câmara de Direito Privado concedeu 50% de desconto no aluguel de uma loja de colchões estabelecida em Shopping Center, pelo período que a abertura do local ainda não foi permitida. Na mesma linha, o Desembargador Ruy Coppola da 32ª Câmara de Direito Privado, aplicando a teoria da imprevisão, também entendeu pelo deferimento de pedido liminar a uma microempresa de confecção de peças de roupa para manter o desconto de 60% do aluguel (concedido pela locadora) até o final do período de proibição de funcionamento do comércio, mesmo após o prazo convencionado entre as partes.

O principal argumento utilizado pelos Desembargadores é de que a pandemia da COVID-19 também se enquadra nos conceitos de caso fortuito e força maior, de forma que a situação atual de crise de saúde e econômica permite a revisão de contratos locatícios, a fim de trazer de volta o equilíbrio contratual entre locador e locatário.

Por outro lado, a 29ª Câmara de Direito Privado negou, de forma liminar, a redução de 70% no aluguel pago por um posto de combustíveis por entender que é imperioso ouvir os argumentos da parte adversa antes de tomar qualquer medida unilateral. Da mesma forma, o desembargador Kioitsi Chicuta, da 32ª Câmara de Direito Privado, negou liminar para reajustar o aluguel de um restaurante de shopping em virtude da necessidade do contraditório para uma melhor avaliação da matéria.

Os Desembargadores que negaram os pedidos liminares destacaram a função social do contrato, salientando que, ao se conceder um benefício para uma ponta desta cadeia produtiva, se a questão não for muito bem analisada e valorada, pode-se causar grande estrago para a outra ponta. Assim, as decisões salientam a importância de não levar ao locador o ônus alegado pelo locatário.

O que se conclui, portanto, é que a questão, mesmo já passados quase 05 (cinco) meses desde a decretação da quarentena, não se encontra pacificada. Não bastasse, vemos diariamente a inconstância na permanência de decisões liminares deferidas em nosso judiciário, que podem ser revistas a qualquer momento.

O Projeto de Lei nº 1.179/2020, atual Lei 14.010, que trouxe o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), procurou tratar de temas de direito privado de forma emergencial, dentre eles as relações locatícias entre particulares. O PL, em um primeiro momento, criou a expectativa de resolução da problemática acima, de forma a se evitar a judicialização dessas questões. No entanto, analisando a sua redação, vemos que sua tímida intervenção parece que não produzirá o efeito desejado.

Isto porque, com relação a esta temática, a Lei 14.010 tão somente prevê a vedação à concessão de liminar para desocupação de imóveis urbanos até o dia 31 de outubro de 2020 para as ações ajuizadas a partir de 20 de março, além de reforçar as regras sobre revisão contratual já anteriormente previstas na Lei de Inquilinato (Lei 8.245/1991).

Assim, a Lei 14.010/2020 ainda deixou os conflitos da relação locatícia para a livre negociação das partes. Ante o cenário acima traçado, ainda é recomendável, então, a tentativa de repactuação amigável dos aluguéis em vigor, devendo-se buscar, em primeiro lugar, a solução consensual. Apenas na hipótese de se mostrar infrutífera essa negociação é que se deve procurar o caminho judicial para a resolução da questão. 

Ana Lígia Alves F. Fantinato é advogada do time contencioso cível da TMB Advogados

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