22.08.2022
Por Luiz Thonon Filho
Muito se tem ouvido falar sobre enfermidades relacionadas à saúde mental – as chamadas doenças do século XXI -, com dados alarmantes e índices de proliferação galopante. Aliás, estudos apontam que, em menos de 25 anos, 80% das doenças estarão atreladas a algum transtorno mental, muitos deles decorrentes da rotina da vida moderna.
Neste esteio, é inegável que o exercício da advocacia está inserido em um contexto altamente vulnerável aos transtornos mentais, seja pela pressão no cumprimento de prazos processuais; pelo desgaste decorrente dos litígios ou mesmo pela frenética concorrência mercadológica. Enfim, fatores extremamente nocivos à saúde mental, justamente em uma profissão na qual a mente humana, o raciocínio lógico, o poder de persuasão e habilidade em negociação são fundamentais ao exercício da boa advocacia. Não bastasse isso, acabamos de sair de um período pandêmico, em que o isolamento, o medo e as restrições impostas trouxeram consequências ainda não conhecidas em sua plenitude, mas que, de alguma forma, afetaram as relações e o comportamento de modo geral, para uns mais, para outros menos.
E, mergulhado nesse ambiente, infelizmente, nos deparamos com condutas abusivas, que se manifestam por palavras, comportamentos, atos e gestos que podem causar danos não apenas à integridade física ou psíquica de uma pessoa, mas também danos à sua personalidade e, mais triste ainda, à dignidade da pessoa humana. É bem verdade que muitos se confundem com a firmeza de líderes na cobrança pelo cumprimento das obrigações e interpretam, equivocadamente, qualquer ordem superior como assédio – que são coisas absolutamente distintas.
Recentemente, foi criada uma conta de Instagram que tem divulgado, de forma anônima, diversos casos de assédio moral e sexual no ambiente dos escritórios de advocacia de todo o País.
A conta surgiu após a tentativa de suicídio de um estagiário de Direito em uma das mais importantes bancas de advocacia brasileira. A bio do perfil é preocupante ao se apresentar aos seus seguidores – que já superam 50K em uma semana – como sendo uma “Página dedicada a boicotar anonimamente escritórios de advocacia que abusem dos seus stags e advogados.”
A preocupação, por óbvio, não reside na publicidade dada, em rede social, aos lamentáveis fatos ali colacionados, mas sim na aparente falta de cuidado e zelo como se propuseram a fazê-lo. O “boicote anônimo” faz parecer muito mais a declaração de uma guerra e uma ofensa indistinta e gratuita, do que propriamente uma iniciativa propositiva em coibir a toxicidade por vezes, infelizmente, constatada em ambientes de trabalho.
O perfil, ao invés de criar um ambiente que permita a avaliação dos relatos de forma crítica e proponha soluções para os problemas, bem como alternativas, optou por reproduzir relatos anônimos, aparentemente sem qualquer apuração, olvidando-se das consequências jurídicas de tal ato ou, ao menos, mostrando disposição em enfrentá-las. Mas, como “do limão sempre se pode fazer uma limonada”, a iniciativa trazida pelo novo perfil pode contribuir muito, com alguns ajustes na abordagem, para a criação de uma corrente de bem-estar nos escritórios de advocacia de todo o País.
Ademais, vale lembrar que para a configuração do assédio moral, há de verificar, por exemplo, uma exposição do indivíduo a uma situação humilhante e constrangedora, ou seja, algo que não coaduna com o princípio da dignidade da pessoa humana, que, nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet deve ser interpretado como “um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos”.
A dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, constitui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Sua finalidade, na qualidade de princípio fundamental, é assegurar um mínimo de direitos que devem ser respeitados pela sociedade, de forma a preservar a valorização do ser humano.
Preocupada com esse espinhoso tema é que a Ordem dos Advogados do Brasil lançou, neste ano de 2022, a campanha “#advocaciasemassedio”, que busca a conscientização, a prevenção e o enfrentamento do assédio moral e sexual nos fóruns, tribunais e escritórios de advocacia. Importante frisar que a campanha busca atingir desde os profissionais em posições de liderança até os recém-graduados, já que todos tem a incumbência de contribuir para alcançar o desejo de um ambiente laboral imune a esses males.
E nós, da TMB Advogados, aderimos a essa campanha de forma incondicional, cumprindo nossa função perante a sociedade, em busca da almejada estabilidade nas relações sociais, dentro e fora do ambiente de trabalho, enfrentando e apurando qualquer ato ou indício de prática maléfica neste sentido, mas sempre o fazendo com sensatez e equilíbrio.
Luiz Thonon Filho é sócio da TMB Advogados, integrante do time de Contratos e Societário e Presidente da Comissão de Relações Institucionais da OAB/SP – 3ª Subseção Campinas.