28.11.2022

Entenda o que é o SAFE: “SIMPLE AGREEMENT FOR FUTURE EQUITY”

Por Bruna Covelo Pinto

Este artigo tem por objetivo discorrer sobre o “SAFE – Simple Agreement for Future Equity” (Acordo Simples para Participação Futura, em tradução livre), instrumento contratual que tem ganhado relevância e sido adotado principalmente por startups para captações de investimentos, substituindo, assim, o mútuo conversível.

O SAFE foi introduzido no mercado no final de 2013 pela Y Combinator, considerada, atualmente, uma das maiores aceleradoras de startups do Vale do Silício. Desde então, tem sido utilizado por outras startups, principalmente nos Estados Unidos e Canadá, com a finalidade de substituir o contrato de mútuo conversível.

O contrato de mútuo conversível, ainda muito utilizado nacionalmente por investidores-anjo, é um contrato de empréstimo de dinheiro em que o investidor terá o direito de converter o valor aportado na companhia por uma participação societária da empresa em um momento futuro. Portanto, o investidor “transfere” determinada quantia à startup, sob o pretexto de ter o direito de, no futuro, converter a quantia aportada em um determinado número de ações societárias da companhia, após passado determinado período acordado entre as partes.

O nosso maior foco do artigo é dissertar sobre o SAFE, por se tratar de uma modalidade nova no mundo jurídico e de investimentos, principalmente no Brasil. Assim sendo, iremos destacar com maior complexidade o SAFE.

O SAFE

Como dito anteriormente, o SAFE foi introduzido no mercado em 2013 pela Y Combinator, a fim de suceder o mútuo conversível. O primeiro modelo do SAFE era “pre-money”, ou seja, as ações societárias dos detentores do SAFE eram calculadas de acordo com a valuation da companhia. Referida valuation era determinada pela exclusão das ações emitidas após a conversão dos SAFEs. Em 2013, quando o SAFE foi inserido no mercado, os recursos levantados pelas startups antes de uma rodada de investimentos eram baixos. Na época, era um jeito fácil e rápido de levantar capital para a companhia. Porém, a primeira rodada de captação de dinheiro começou a evoluir e, atualmente, as startups estão captando valores mais altos na primeira rodada de investimentos. Na verdade, a startup está dando aos investidores a promessa de que irão receber as ações da companhia em uma data futura.

Por conseguinte, mais de quatro anos após a introdução do primeiro SAFE no mercado, a Y Combinator desenvolveu uma nova versão do “Acordo Simples para Participação Futura”.  Em 2018, foi apresentado o “Post-Money” SAFE. As ações societárias do detentor do SAFE é calculada após todo o dinheiro for contabilizado, incluindo as ações emitidas após a conversão dos SAFEs, porém, antes de uma nova rodada de financiamento. Logo, o “Post-Money” tem uma grande vantagem tanto para os investidores quanto para os fundadores: a habilidade de calcular imediatamente e precisamente quanto de “ownership” da empresa foi vendida, já que é de grande importância, para os fundadores, entender o quanto de diluição foi causada por cada SAFE, assim como é justo aos investidores saber quanto de “ownership” da empresa eles compraram.

No novo SAFE, foi removido o “pro rata right” – com ele permitia-se que o investidor adicionasse mais fundos para manter a porcentagem de patrimônio, seguido da rodada de financiamento de capital. Agora, existe uma carta anexa padrão com as “pro rata rights” que serão aplicadas na rodada de financiamento em que converter o SAFE, podendo ser aplicada se e quando as partes acordarem entre si.

Como Funciona

A startup e o investidor formalizam um contrato, no qual as principais cláusulas serão negociadas. Quando as duas partes estão de acordo com os termos, o SAFE é assinado pelas partes e o investidor transfere para a companhia o dinheiro acordado entre eles. O investidor não recebe as quotas da companhia até que o evento estipulado no SAFE aconteça, acionando a conversão.

Em um exemplo prático, assumindo que o investidor Mr. X assinou um SAFE para a injeção de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) em uma determinada startup. Em dois anos, a startup passou por uma rodada de levantamento de capital e um investidor-anjo concordou em comprar 10% da companhia por R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais). O valution da empresa passou a ser de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais). Supondo que a startup tinha 18.000,000 (dezoito milhões) de ações antes do investidor-anjo investir e que o preço de cada ação era de R$ 1,00, agora o Mr. X receberá 50.000 (cinquenta mil) ações da startup que ele investiu. Portanto, a participação acionária do investidor irá depender do valuation da companhia no momento de venda das ações.

Desse modo, iremos aprofundar em quais são as vantagens e desvantagens em utilizar o SAFE.

Vantagens

  • Como muitos sabem, a dívida é um enorme problema para todos os modelos de companhias ao redor do mundo. Para uma startup, ela pode ser fatal. Como o SAFE não é um instrumento de dívida, e, portanto, remove a ameaça de insolvência, se a startup falir, os fundadores não têm a obrigação de pagar de volta aos investidores os valores que foram investidos por estes. Nesse caso, obviamente, o SAFE é vantajoso para o(s) fundador(es).
  • De modo geral, as startups precisam focar em seu crescimento, portanto, mais burocracia significa mais energia e mais tempo gasto fora do foco principal. Quando o investidor usa o mútuo conversível e chega à data de vencimento, normalmente, as startups ainda não estão prontas. E, portanto, precisam pedir extensão da data de vencimento do mútuo conversível, sendo assim, mais papelada, mais tempo gasto e mais energia depositada em situações desnecessárias. Como no SAFE não existe data de vencimento, não é necessário pedir extensão dessa data, posto isto, menos tempo, energia e dinheiro será gasto nesses casos.
  • Quando os investidores investem em startups, parte do retorno é em ações na participação da companhia. Vale ressaltar que as ações ordinárias dão direito ao voto para os investidores, logo, os investidores podem moldar a companhia com suas visões e, assim, manter o controle dela. Contudo, quanto mais pessoas tem direito ao voto, menor o controle será dos investidores na companhia. Com o SAFE, as participações acionárias não são providenciadas ao investidor de imediato, portanto, o investidor não recebe o direito ao voto imediatamente.
  • Como o SAFE não é considerado um empréstimo, como é no caso do mútuo conversível, os investidores não precisam se preocupar com os juros, pois eles não existem.
  • MFNs (Most Favored Nation) – É uma cláusula de proteção aos primeiros investidores, ou seja, requere que as startups deem os mesmos privilégios para todos os investidores. Por exemplo, se um investidor investe em uma startup com um desconto de 20% e um investidor posterior investe na startup recebendo um desconto de 30%, o investidor anterior irá automaticamente receber um desconto de 30%.
  • Desconto sobre o valor da ação – Trata-se de um percentual aplicado sobre o valuation ou sobre o preço da ação na rodada de levantamento dos recursos.
  • Em vez das startups tentarem coordenar em fechar o contrato de SAFE com todos os investidores simultaneamente, elas podem fechar o contrato de SAFE com um investidor assim que o investidor e a startup estarem prontas para assinar, e o investidor pronto para transferir o dinheiro.
  • Como o SAFE é um contrato “padronizado”, sem várias cláusulas para serem negociadas, o SAFE irá reduzir de forma significativa, para as startups e os investidores, os honorários advocatícios, além do tempo utilizado para negociar os termos do contrato. E, assim, as startups e os investidores deverão somente negociar um item: o “valuation cap“.

Valuation cap: sob o mesmo racional implícito do desconto sob o valor da ação, isto é, recompensar o investidor que tomou o risco por investir em uma companhia em fase inicial (seed stage), o valuation cap estabelece o preço máximo que o SAFE será convertido em participação acionária. O valuation cap evita que um potencial investidor seja excessivamente diluído no momento da conversão, caso a empresa tenha um valor muito maior entre o momento de assinatura do SAFE e o rodada de investimentos futura.

Desvantagens

  • O SAFE não é uma ação ordinária. A ação ordinária representa uma participação acionária na companhia e permite certos direitos. O SAFE não representa uma participação acionária presente na companhia na qual foi feito o investimento. Em vez disso, os termos no SAFE precisam ser preenchidos para se receber qualquer ação da empresa. Precisa ocorrer um evento, como rodada de financiamento de capital ou venda da empresa. Não existe garantia de que esses eventos irão ocorrer e, se não ocorrerem, o investidor pode perder algum ou todo o dinheiro que ele investiu na startup.
  • O alto custo para investidores brasileiros que queiram investir em startups estrangeiras, particularmente para abrir uma conta para recebimento dos investimentos em outro país.

Conclui-se, portanto, que o SAFE apresenta diversas vantagens para os investidores que querem investir em uma startup. Mas será que tais vantagens serão possíveis de contrapor a maior e mais perigosa desvantagem do SAFE, que é o investidor correr o risco de perder todo o capital investido na startup?

Bruna Covelo Pinto é advogada na TMB Advogados, integrante do time de Contratos e Societário, graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre em Direito Internacional pela Universidade de Miami e pós graduanda em Direito Empresarial pelo INSPER.

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