31.05.2021

Extinção das Garantias prestadas por Terceiros na Recuperação Judicial

Por Rodrigo Salles

Em recente decisão do dia 12.05.2021, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou o entendimento quanto a possibilidade de extinção das garantias prestadas por terceiros no processo de recuperação judicial.

Até então, a referida matéria era tida como controvertida (dissídio jurisprudencial) entre os tribunais estaduais do país, inclusive no próprio STJ, em forte debate sobre os efeitos da novação derivada da aprovação do plano de Recuperação Judicial, sendo alvo de constantes disputas entre empresas recuperandas e seus credores.

Desta forma, em julgamento conjunto dos REsp’s (Recursos Especiais) nº 1.794.209 e 1.885.534, os ministros da 2ª Seção da referida Corte entenderam que, na recuperação judicial do Grupo Tonon, as garantias existentes, prestadas por terceiros (coobrigados das empresas recuperandas), só poderiam ser suprimidas no plano de recuperação judicial caso houvesse anuência expressa dos credores detentores da garantia quanto a cláusula que estendesse a novação aos coobrigados, fiadores, obrigados de regresso e avalistas.

Importante destacar que a Lei nº 14.112/2020 não trouxe alterações aos dispositivos que foram objeto dos REsp’s, julgados pelo STJ. Ou seja, ainda com a recente alteração legislativa sobre o procedimento de recuperação judicial, a questão seguiria controvertida em nossos tribunais.

Assim, os ministros da Corte sedimentaram o entendimento de que a novação da Lei civil possui natureza distinta daquela disciplinada na Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência). Melhor explicando, segundo o posicionamento firmado, o instituto da novação disciplinado no Código Civil busca, como regra, extinguir as garantias da dívida, ao inverso da novação decorrente do plano de recuperação judicial que traz, como regra, a manutenção das garantias, que somente serão suprimidas através do consentimento expresso do credor titular da garantia.

Os ministros da Corte Superior, ainda, ressaltaram na decisão a imprescindibilidade do inequívoco intuito de novar (animus novandi) do titular do crédito detentor da garantia, na ocasião da aprovação do plano de recuperação judicial, para que a garantia prestada por terceiros possa, então, ser objeto de supressão. Não sendo presumida a ocorrência da novação, especialmente na ausência de credores, e aos presentes na assembleia que ou não votaram ou votaram contrariamente à aprovação do plano.

Tal entendimento reforçou a linha de raciocínio de que a concessão da recuperação judicial não obsta o credor de perseguir o seu crédito em face de terceiros (coobrigados) da empresa recuperanda, em observância ao comando normativo do artigo 49, §1º, disposto na Lei de Recuperação Judicial e Falência, também consolidado na súmula 581, do STJ, abaixo transcritos:

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.

STJ: A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória.

Outro ponto importante foi que os ministros entenderam que as cláusulas pactuadas, que porventura venham suprimir as garantias no plano de recuperação judicial, não seriam passíveis de nulidade ou anulabilidade previstas na legislação civil, se tratando negócio jurídico plenamente válido.

Diante disso, os julgadores mencionaram na decisão que, no caso de descumprimento do plano, após a fase judicial, os créditos não voltariam à sua condição de origem, tendo o credor que executar o plano de recuperação judicial em suas exatas previsões, que se tornariam definitivas para todos os fins de direito.

Nesse sentido, restou consignado na decisão dos REsp’s a preocupação dos ministros quanto a ocorrência de tratamento desigual entre credores, e o possível cenário de desvalorização das garantias, que poderia refletir diretamente na segurança jurídica e na economia do país.

Em outras palavras, restou evidenciado no julgamento que o quadro de incertezas relativas à persecução do crédito, oriundas do enfraquecimento das garantias, poderiam contribuir para o encarecimento na concessão de crédito, bem como para retração da economia. Como resultado, teríamos a diminuição da circulação de riqueza, que impactaria de forma calamitosa o setor financeiro nacional.

Por fim, concluíram os ínclitos julgadores que deve se equacionar o binômio “preservação da empresa viável x preservação da atividade econômica como um todo”, aplicando-se o entendimento de que a cláusula de novação extensiva a terceiros seria somente legítima e oponível aos credores que estivessem de acordo e aprovassem o plano de recuperação judicial sem nenhuma ressalva.

Por meio desse entendimento, logo, não seriam eficazes as cláusulas de supressão de garantias eventualmente aprovadas no plano, no tocante aos credores que:

i. não estivessem presentes ao tempo da assembleia geral de credores;

ii. se abstivessem de votar;

iii. se posicionassem de forma contrária a tais disposições.

Como se pode notar, os ministros da 2ª Seção do STJ consolidaram seu entendimento de forma minuciosa quanto a extinção das garantias prestadas por terceiros na recuperação judicial, considerando não só o disposto na legislação, mas também o impacto que a eventual desvalorização das garantias poderia trazer para segurança jurídica e a economia do país.

Portanto, por meio do julgado acima, uma nova premissa é formada sobre o tema. Afinal, os ministros entenderam, como regra, a manutenção das garantias prestadas por terceiros na aprovação do plano de recuperação judicial e, como exceção, a extinção das garantias exclusivamente no tocante aos credores que concordarem expressamente e de forma inequívoca, demonstrando animus novandi, com tais cláusulas no plano de recuperação aprovado em assembleia geral de credores.

Rodrigo Salles é advogado do time de Recuperação de Crédito da TMB Advogados.

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