14.12.2020

Inovações trazidas pela Lei nº 13.986/2020 ao Agronegócio Brasileiro: Os Estrangeiros e os Imóveis Rurais no País

Por Carina Moisés Mendonça

Neste ano, foi sancionada pelo Presidente da República a Lei nº 13.986 de 07 de abril de 2020, conhecida como “Lei do Agro”, que representa a conversão em lei da Medida Provisória n° 897/2019. A referida lei trouxe diversas inovações ao agronegócio brasileiro, setor que representou 21,4% do PIB do país em 2019 e que já acumula uma alta de 6,75% neste ano, representando uma força motriz crucial da economia brasileira.

Dentre tantas novidades, a lei em questão: (i) instituiu o Fundo Garantidor Solidário, o Patrimônio Rural em Afetação e a Cédula Imobiliária Rural; (ii) ampliou o rol de produtos rurais que podem ser objeto de Cédulas de Produto Rural (CPRs), permitindo a emissão de CPR de derivados, subprodutos e resíduos, inclusive quando submetidos a beneficiamento ou primeira industrialização, de produtos rurais relacionados à atividade agrícola, pecuária, de floresta plantada, de pesca e aquicultura; (iii) aumentou o rol das pessoas legitimadas a emitir CPRs; (iv) estabeleceu prazo para registro das CPRs pelos cartórios competentes; (v) alterou disposições relativas ao Certificado de Depósito Agropecuário (CDA) e Warrant Agropecuário (WA) permitindo a emissão escritural desses títulos; (vi) deu autorização à União para conceder subvenção econômica em benefício das empresas cerealistas, entre outras.

Contudo, uma importante, e até então controvertida, questão foi dirimida com a lei sancionada, e refere-se à possibilidade de pessoas físicas e jurídicas estrangeiras ou, principalmente, de pessoas jurídicas nacionais que tenham a maioria do seu capital social de pessoa estrangeira ou que tenham sede no exterior, não se sujeitarem às restrições da Lei nº 5.709/71, que normatiza as condições para que as pessoas mencionadas sejam proprietárias de imóveis rurais no Brasil.

A Lei nº 5.709/71, que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil, além de estabelecer diversas condições para tais aquisições, estabelece que “a aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira não poderá exceder a 50 módulos de exploração indefinida” (art. 3°) e que as pessoas jurídicas estrangeiras, ou nacionais controladas por estrangeiros ou com sede no exterior, de que trata a norma “só poderão adquirir imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais, ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários“.

Por muito tempo foi discutida a constitucionalidade, diga-se, a recepção (ou não) do artigo 1°, parágrafo 1° da Lei nº 5.709/71, que equipara a estrangeiro para fins da referida lei as empresas nacionais que tenham sede no exterior ou que tenham a maior parte de seu capital social por estrangeiros, à luz do artigo 190 da Constituição Federal. Houve a manifestação sobre o tema, por Parecer, pela Advocacia Geral da União (AGU), inicialmente, em 1998 (Parecer GQ-181/98), entendendo pela inconstitucionalidade do dispositivo, e depois em 2008 (Parecer 01/2008-RVJ da CGU/AGU) reconhecendo a constitucionalidade da norma. Já em 2012 houve uma decisão do Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo (Parecer 461/2012-E – Processo n° 2010/83224) que dispensava os tabeliães e oficiais de registro de observarem as restrições e determinações impostas pela Lei nº 5.709/71, definindo assim que o dispositivo em debate não foi recepcionado pela Constituição Federal. Já em 2016, o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu os efeitos do Parecer da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, derivado do parecer do CNJ retro mencionado, em Ação Cível Originária (n° 2463) proposta pela União e pelo INCRA.

Essa breve menção às interpretações divergentes sobre o tema ao longo do tempo demonstra a grande insegurança jurídica gerada no setor e, com isso, a retração do crédito privado aos produtores rurais pois, em caso de inadimplência, as empresas tratadas pela Lei nº 5.709/71 contavam com restrições e limitações que podiam inviabilizar o recebimento em imóveis rurais e,  inclusive, a constituição de hipoteca, como garantia, para concessão do crédito.

No entanto, a Lei nº 13.986/2020 legalizou a possibilidade de as empresas em questão não só de constituírem garantias reais sobre imóveis rurais, inclusive alienação fiduciária, como também de receberem imóveis rurais nacionais em liquidação de transação por garantia real, dação em pagamento ou qualquer outra forma (artigo 51).

Nesse passo, a Lei nº 5.709/71 agora conta expressamente com as exceções quanto às restrições que a lei referida estabelece, como abaixo se transcreve:

Art. 1º – O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei.

§ 1º – Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior.

§ 2º As restrições estabelecidas nesta Lei não se aplicam: (g.n.)           

I – aos casos de sucessão legítima, ressalvado o disposto no art. 7º desta Lei;           

II – às hipóteses de constituição de garantia real, inclusive a transmissão da propriedade fiduciária em favor de pessoa jurídica, nacional ou estrangeira;           

III – aos casos de recebimento de imóvel em liquidação de transação com pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, ou pessoa jurídica nacional da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e que residam ou tenham sede no exterior, por meio de realização de garantia real, de dação em pagamento ou de qualquer outra forma.

Com isso, a Lei nº 13.986/20, dentre as inúmeras inovações que buscam facilitar o fomento e o financiamento privado da atividade agrícola no país, faz com que seja superada tal questão, sempre tão polêmica e objeto de debates na área. Representa um importante avanço na facilitação do crédito agrícola, já que passou a permitir às empresas multinacionais atuantes no país a adjudicação e o recebimento em pagamento de imóveis rurais.

No entanto, é importante registrar que há quem sustente a inconstitucionalidade do artigo 51 da Lei do Agro em face do artigo 190 da Constituição Federal, que diz que a “lei regulamentará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira”, defendendo que a Carta Magna obriga à limitação, tal como na Lei nº 5.709/71. Contudo, até decisão do Supremo Tribunal Federal nesse sentido, é válida e vigente a alteração ora debatida.

Carina Moisés Mendonça é advogada do time Contencioso Cível, sócia da TMB Advogados.

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