22.03.2021

ISSQN - O Fim do Cadastro Municipal de Prestadores de Serviços

Por Raphaela Kaizer

Não é de hoje que se discute as regras territoriais para a cobrança do ISSQN – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios. De acordo com as regras gerais, o Município pode cobrar esse imposto estipulando alíquotas que vão de 2 até 5%.

E é aí que começam as grandes discussões e disputas entre os Municípios na busca por contribuintes, pois a discricionariedade na adoção da alíquota faz com que o mesmo serviço seja tributado de maneiras muito discrepantes, chegando, muitas vezes, a diferenças de tributação de mais de 100%, considerando Municípios vizinhos.

E é nesse contexto que nos deparamos com os conhecidos “paraísos fiscais de ISSQN”, onde cobram-se alíquotas de 2%, enquanto o Município vizinho cobra 5% pela prestação do mesmo serviço.

Nessa linha, quanto a competência territorial para cobrança do imposto, a Lei Complementar nº 116/2003 prevê algumas regras gerais para sua fixação. Sendo que, a regra geral, é a de que o ISSQN deve ser pago no local do estabelecimento do prestador de serviço, salvo algumas exceções dispostas na própria legislação complementar.

Porém, vale destacar que não são poucas as decisões proferidas pelo Superior Tribunal Justiça que reconhecem o Município do tomador do serviço como aquele competente para a cobrança do imposto, levando em consideração que o ISSQN é devido onde o serviço é prestado.

E foi em meio a essa celeuma que nasceu mais uma obrigação aos contribuintes, qual seja, o cadastramento das empresas prestadoras de serviço não estabelecidas no território do Município, mas que venham a prestar serviços aos tomadores nele estabelecidos.

Será que entendi bem? Cadastro no município do tomador? Mas a lei não diz que o ISSQN é devido no local do estabelecimento do prestador de serviço?

Isso mesmo. Porém, os Municípios, com a justificativa de evitar fraudes e combater a sonegação, passaram a exigir, do prestador do serviço estabelecido em outro município, um cadastro capaz de comprovar sua efetiva existência no Município em que consta seu CNPJ.

Prefeituras como a de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, dentre outras, passaram a exigir não somente o cadastramento no Município do tomador, mas também a retenção do ISSQN pelo tomador do serviço, caso se constate a ausência do cadastro municipal.

Foi nesta toada que o assunto chegou ao Supremo Tribunal Federal no final do ano de 2018, quando o Sindicato das Empresas de Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo, por meio do RE 1.167.509, questionou a constitucionalidade da obrigatoriedade do cadastro para empresas estabelecidas fora do Município de São Paulo, bem como da retenção do ISSQN pelo prestador.

O recurso do Sindicato era contra a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que julgou constitucional a norma que determinava o referido cadastro sob o argumento que se tratava de uma obrigação acessória de interesse local, sendo irrelevante o fato da empresa não deter relação tributária ou cadastral com o Município do tomador.

Porém, o Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no dia 27.02.2021, com acordão publicado em 16.03.2021, entendeu pela inconstitucionalidade do cadastramento. O Ministro Relator Marco Aurélio afirmou que a norma paulistana usurpou competência do Município competente para cobrar o ISSQN, ou seja, aquele onde estabelecido o prestador de serviço e detentor do direito de exigência do ISSQN.

O Ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, divergiu do Relator, entendendo que o cadastro não representa ônus financeiro e tampouco obstáculo burocrático para as empresas que atuam em conformidade com as exigências legais. Para ele se trata de medida fiscalizadora do Município onde estabelecido o tomador de serviço, votando pela constitucionalidade da exigência.

No entanto, prevaleceu o voto do Ministro Relator Marco Aurélio que julgou inconstitucional o cadastro instituído pelo Município de São Paulo, fixando a seguinte tese:

“É incompatível com a Constituição Federal disposição normativa a prever a obrigatoriedade de cadastro, em órgão da Administração municipal, de prestador de serviços não estabelecido no território do Município e imposição ao tomador da retenção do Imposto Sobre Serviços – ISS quando descumprida a obrigação acessória”.

Vale destacar que a decisão foi proferida em tema com reconhecida repercussão geral, podendo ser utilizada para defesa não só nas relações com o Município de São Paulo, como em todo e qualquer outro município que já tenha ou que venha a exigir o cadastro.

Mas aí fica a pergunta: como ficarão aquelas situações em que as empresas, com o intuito de reduzir sua carga tributária, “colocam” seus estabelecimentos em uma cidade com alíquota menor, porém, prestam seus serviços em uma outra cidade?

Nada muda! Continua cabendo aos Municípios a fiscalização dessas situações, as quais, se comprovado o intuito de fraude e sonegação, podem ser punidas com auto de infração, além de representação fiscal para fins penais, se caracterizado o dolo.

Por outro lado, como ficam aquelas empresas que tiveram retido o ISSQN por não terem realizado o cadastro declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal agora em 2021? Essas deverão procurar o judiciário para ter reconhecido o ressarcimento do valor pago, a depender do prazo e das circunstâncias do caso concreto.

Raphaela Kaizer é advogada do time Tributário da TMB Advogados.

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