03.05.2021

Medidas coercitivas para garantir a execução da dívida. Até onde é possível exercê-las?

Por Luiza Gregori Porto

Como já se sabe, o Estado detém o poder e o dever de adotar as medidas cabíveis necessárias para alcançar a prestação jurisdicional, podendo utilizar de instrumento típicos e atípicos, em especial nos processos de execução, sendo esses últimos o objeto do presente artigo.

O artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil, cuidou de conferir ao juiz o poder-dever de “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenha, por objeto prestação pecuniária”, a fim de conceder maior efetividade à realização da tutela jurisdicionada.

Nesse passo, convencionou-se adotar as medidas atípicas para garantir que o credor receba o que lhe é devido, para satisfazer a dívida face a um devedor que, por diversos meios, consegue se prevenir de diversas medidas tomadas pelo credor. Nesse sentido, além dos sistemas mais populares que temos hoje em dia no judiciário brasileiro, tais como o Bacenjud (atual Sisbajud), Renajud, Infojud e Serasajud, uma grande variedade de métodos para satisfação da dívida vêm surgindo.

Dentre eles, podemos citar as pesquisas realizadas junto a (ao) i) Bolsa de Valores e Bovespa, a fim de identificar a existência de ativos financeiros passíveis de penhora; ii) Susep, para que seja informado se o devedor é titular de previdência privada e/ou seguros de vida; iii) Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro (CCS), responsável por informar se existe relação entre o devedor e alguma instituição financeira e demais autorizadas pelo Banco Central; iv) Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), que objetiva facilitar o intercâmbio de informações sobre a existência de imóveis em nome do devedor; v) INSS, a fim de que seja informado sobre a existência de vínculo empregatício para viabilizar o desconto diretamente na folha de pagamento ou até mesmo o desconto mensal de até 30% da aposentadoria, caso o devedor seja aposentado; vi) Centro de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos Privados (CETIP), a fim de seja realizada penhora sobre títulos e valores mobiliários; vii) Penhora no faturamento da empresa.

Não obstante, tem-se, ainda, i) o pedido de decretação da indisponibilidade de bens e direitos, na forma do artigo 185-A do Código Tributário Nacional, ii) o pedido de penhora de quota de empresa, nos temos do artigo 1026 do Código Civil, iii) a solicitação do bloqueio da Carteira Nacional de Habilitação e iv) a aplicação do Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias – SIMBA, implementado pelo novo sistema Sisbajud, em que os juízes poderão emitir ordens solicitando deveres como: cópia dos contratos de abertura de conta corrente e de conta de investimento, fatura do cartão de crédito, cópias de cheque e extratos do PIS e FGTS.

Contudo, mesmo diante de tantas possibilidades, os credores ainda enfrentam grande dificuldade no recebimento de seus créditos. Primeiramente porque, infelizmente, muitos dos métodos apresentados acima não são de amplo conhecimento da comunidade jurídica, limitando, ainda hoje, as formas de execução da dívida.

Não bastasse, o maior entrave para a aplicação das medidas acima é que a sua plena utilização ainda não é pacificada em nosso Judiciário. Citando um caso, muitos juízes vêm indeferindo o pedido de cópia de extratos de contas correntes, o que impossibilita ao credor a análise efetiva de se há movimentação bancária pelo devedor e, consequentemente, de verificar se este está ativo em sua vida financeira e se há desvio de recursos pelo devedor. Exemplificando, tal levantamento pode ser eficaz ao possibilitar, dentre outras eventualidades, a penhora de até 30% (limite reconhecido pelos tribunais) sob o faturamento de uma pessoa jurídica, uma vez demostrada a sua efetiva saúde financeira e o desvio de ativos financeiros.

Com efeito, o fundamento utilizado, nesses casos, é a violação ao direito fundamental de sigilo bancário, em que pese referida possibilidade tenha sido concedida com a implementação do Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias – SIMBA.

Assim, é possível observar que parte considerável de Magistrados em nosso Poder Judiciário ainda é contrária às medidas atípicas de execução. Fundamentam seu entendimento na Constituição Federal, em especial nas garantias e direitos fundamentais do devedor, sobrepesando-os ao interesse e ao direito do credor em receber o montante devido pelo devedor, o seu crédito.

Ou seja, a dicotomia formada é o poder-dever imposto ao Estado pelo artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil, e a impossibilidade de se violar as garantias fundamentais estabelecidas em nossa Lei Maior.

Diante do exposto, observa-se que a Constituição Federal tem como objetivo proteger e privilegiar o indivíduo e entalhar alguns princípios que fazem parte dos direitos fundamentais, como o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Porém, diante da oposição acima formada, é necessário que se desenvolvam meios capazes para garantir tanto a plena eficácia dos processos judiciais, quanto a não violação dos princípios constitucionais.

Assim, o que se conclui é que as medidas atípicas têm o condão de compelir o devedor ao cumprimento da obrigação assumida junto ao credor. É diante desse cenário que surge a necessidade de uma postura ativa e justa do Estado para dar efetividade aos processos judiciais e, ao mesmo tempo, agir em harmonia aos princípios constitucionais e em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Portanto, é necessário analisar individualmente cada caso concreto, as condições pessoais do devedor e permitir a aplicação de tais medidas sem que essas contrariem os direitos fundamentais e individuais ou coloquem o devedor em situação de extrema onerosidade, e que, ao mesmo tempo, permitam garantir o recebimento da dívida pelos credores.

Luiza Gregori Porto é estagiária do time de Contencioso Cível da TMB Advogados

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