22.02.2021

Meu funcionário se recusou a ser vacinado: posso demiti-lo?

Por Jéssica Sato

A COVID-19 é considerada peculiar, dentre todas as doenças, pela gravidade do problema em nível global: não apenas pelo número de mortes devido à pandemia instalada no mundo em 2020, mas, também, seu impacto extraordinário em nível econômico, social e de saúde, dadas as medidas necesasárias para evitar a não disseminação do vírus, como o “lockdown” adotado em alguns países, por exemplo.

As medidas vêm sendo adotadas até que toda, ou mesmo a maior parte, da população seja imunizada, seguindo-se o chamado “Plano de Vacinação”, como ocorre no Estado de São Paulo. No entanto, temos encontrado, recentemente, algumas discussões a respeito da opção do cidadão de escolher, por si próprio, ser ou não imunizado, eis que trata-se de uma medida ofertada pelo Estado na tentativa de protegê-lo contra o vírus. Em uma discussão mais aprofundada, ao adentramos nas relações de trabalho, deparamo-nos com questões relacionadas à possibilidade do empregador poder demitir seu empregado por justa causa, caso este se recuse a ser vacinado.

Isto porque, além do Estado, diante da eficácia horizontal reconhecida ao direito à saúde, é possível concluir que tanto as empresas devem colaborar, quanto os trabalhadores, em aderir às medidas de adotadas.

Vale dizer, a princípio, que a decisão do empregador deve ser tomada com muita cautela. Primeiramente, a vacinação envolve uma questão de interesse coletivo e de saúde pública e, consequentemente, de saúde e segurança do trabalho, ao adentramos na relação de trabalho. Nos termos do artigo 7º, inciso XXII, é dever do empregador zelar pela “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em contrapartida, estabelece que o interesse coletivo deve sobrepor aos interesses individuais.

A discussão é sensível a partir daqui, pois poderia competir ao empregador fornecer a vacina? Ou competiria a este simplesmente exigir de seus colaboradores o comprovante de vacinação que o Estado fornece? Essas hipóteses nos levam a estender a discussão para uma esfera na qual a vacinação já envolve um direito coletivo e, também, de saúde pública e de saúde e segurança do trabalho. Isto porque não diz respeito apenas a um funcionário que está sendo vacinado, mas, ao adentrar às dependências de uma empresa, este tem contato com muitos outros colaboradores, e cabe ao empregador zelar pela saúde e segurança de todos estes. Nesse sentido, todos devem estar imunizados e protegidos. Mas como agir diante da recusa de um ou, até mesmo, de alguns destes colaboradores?

Esse frequente questionamento tem sido feito por muitos empresários, uma vez que as campanhas de vacinação serão praxe, seja pelo Estado ou por instituições privadas.

Nesse sentido, vale dizer que a simples recusa, de pronto, de um funcionário, não pode gerar isolada e imediatamente uma demissão por justo motivo, se analisarmos as hipóteses previstas no artigo 482 da CLT. A obrigatoriedade da vacinação, até o presente momento, não tem previsão legal expressa, razão pela qual não poderia a empresa tomar a decisão de demitir um funcionário que recusou a vacinação por justa causa. Tal dispensa seria configurada como discriminatória, podendo o funcionário, inclusive, pleitear pela reintegração com ressarcimento total de seu período de afastamento.

Por outro lado, em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a COVID-19, com base na Lei N.° 13.979/2020. O entendimento foi firmado em conjunto com as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587 e do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879, este último discutindo o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas e religiosas, de modo que, nestes casos, os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais.

Com base nesse entendimento, o Ministério Público do Trabalho elaborou um Guia Técnico de Vacinação, que sugere que a justa causa deve ser a última das hipóteses a ser adotada pelas empresas. Recomenda-se, por exemplo, que estas incluam em seu PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) o risco de contágio pelo coronavírus, que é iminente, e acrescentar a vacina ao PCMSO (Programa de Controle Médico de Sáude Ocupacional), evitando-se, assim, os custos de transação entre funcionário e empregador sobre a escolha ou não de ser vacinado.

É importante que as empresas estejam cientes que a simples recusa à vacinação não pode ser, automaticamente, motivo para uma demissão por justa causa. Sendo assim, sugere-se que o empregado, em contrapartida, que justifique sua impossibilidade de receber o imunizante quando estiver disponível, com a apresentação de documento médico.

A obrigatoriedade da vacinação, no âmbito das relações de trabalho, nos parece mais aparente, por exemplo, aos trabalhadores de áreas portuárias, aeroportuárias, passagens de fronteiras e terminais, conforme previsto pela Portaria N.° 1986/2001, dada a grande circulação de pessoas nesses estabelecimentos e o maior potencial de disseminação do vírus. O mesmo se aplica aos trabalhadores de saúde no que diz respeito ao tétano, difteria, hepatite B, dentre outras imunizações contempladas no PCMSO (NR-32 – 32.2.4.17.1).

Assim, deverá o empregador ser cauteloso ao deparar-se com a recusa de seu funcionário, não tomando a medida mais radical, qual seja, a demissão por justa causa, visto que a dispensa pode ser configurada como discriminatória. Enquanto não houver previsão legal expressa prevendo a obrigatoriedade da vacinação, sugere-se que, ainda assim, o empregador esclareça ao funcionário sobre a importância da imunização para sua própria proteção e de seus colegas de trabalho, bem como sobre as consequências da recusa “injustificada”. Se ainda assim o funcionário persistir na recusa, é dever do empregador encaminhá-lo ao atendimento clínico.

Por fim, faz-se necessário que a empresa utilize, com ponderação, seu poder diretivo e disciplinar, ao mesmo tempo em que deve haver, nesta relação, clareza ao trabalhador, no sentido de estar esclarecido quanto a possibilidade de imunização, os estudos científicos de sua eficácia na contenção do vírus e a proteção do ambiente de trabalho.

Jéssica Yumi da Silva Sato é advogada do time Trabalhista da TMB Advogados.

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