08.03.2021

Quais as principais modificações promovidas pela Lei nº 14.112/20 na Lei de Falência e Recuperação Judicial?

Por Michel Oliveira

A Lei nº 14.112, publicada no Diário Oficial da União em 24/12/2020, trouxe significativas modificações na Lei de Falência e Recuperação Judicial (“LFR”) do empresário e da sociedade empresária (Lei nº 11.101/05).

Dentre as diversas modificações promovidas na Lei nº 11.101/05, merecem especial enfoque os seguintes pontos: 1) o estímulo à mediação e conciliação preventiva e incidente ao processo de recuperação judicial; 2) previsão expressa de possibilidade de prorrogação do stay period; 3)  a vedação do recuperando, até a aprovação do plano de recuperação judicial, de distribuir lucros ou dividendos a sócios e acionistas; 4) a ampliação das atribuições legais do Administrador Judicial; 5) o pedido de recuperação judicial do produtor rural pessoa física; e 6) a possibilidade de apresentação de plano de recuperação judicial alternativo pelos credores.

Em relação ao primeiro ponto, a LFR destaca a relevância das conciliações e das mediações antecedentes ou incidentais ao processo recuperacional.

Assim, adota medidas voltadas a estimular a realização de negociações preventivas entre credores e devedores, antes mesmo que haja a necessidade do pedido de recuperação judicial. Essa fase pré-processual é voltada especialmente para empresas que se encontram em uma situação de endividamento menos complexa.

Dentre os mecanismos criados para a estimulação de acordos prévios, destaca-se a possibilidade de certas empresas, que estiverem enfrentando dificuldades e que preencham os requisitos para o requerimento da recuperação judicial, obterem a suspensão das execuções propostas contra elas pelo prazo de até 60 dias. Ao longo desse período, o devedor deverá buscar a negociação coletiva dos débitos com seus credores, através do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (“CEJUSC”). Havendo sucesso na negociação coletiva conduzida perante o CEJUSC, o acordo obtido entre as partes deverá ser homologado pelo juízo competente.

Ainda, as conciliações e mediações também podem ser utilizadas para resolução de conflitos entre sócios da recuperanda, credores extraconcursais, concessionários ou permissionárias de serviços públicos e órgãos reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais.

Seguindo ao segundo ponto, a LFR no § 4º do artigo 6º, agora prevê expressamente a possibilidade de prorrogação da suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, o chamado stay period, pelo prazo igual de 180 dias, desde que comprovado que o devedor não concorreu para a superação do lapso temporal.

Vale ressaltar que essa alteração já vinha sendo admitida pela jurisprudência, visto que, embora não expressamente prevista na LFR anteriormente à vigência da Lei nº 14.112/20, a prorrogação do stay periodera aceita quando comprovado que a votação do plano de recuperação judicial não havia sido realizada no prazo de 180 dias por fatores não atribuíveis à devedora.

Relativamente ao terceiro ponto, com o advento da Lei nº 14.112/20, a LFR, que era silente em relação ao tema, passou a prever no seu artigo 6º-A a vedação ao devedor de distribuir lucros ou dividendos a sócios e acionistas até a aprovação do plano de recuperação judicial.

Ademais, além de vedada, a distribuição de lucros e dividendos também passou a sujeitar o infrator à tipificação de crime de fraude a credores, disposto no artigo 168 da LRF, passível de pena de reclusão de multa.

Quanto ao quarto ponto, houve uma ampliação das obrigações legais do Administrador Judicial. Dentre as suas novas atribuições, merece destaque as seguintes:

i. estimular a conciliação, mediação e outros métodos alternativos de solução de conflitos relacionados à recuperação judicial e à falência;

ii. manter site com informações atualizadas sobre os processos de falência e de recuperação judicial, bem como e-mail específico para o recebimento de pedidos de habilitações ou a apresentação de divergências de crédito por credores;

iii. fiscalizar a veracidade e a conformidade das informações prestadas pelo devedor;

iv. fiscalizar o decurso das tratativas e a regularidade das negociações entre devedor e credores.

Em relação ao quinto ponto, considerando a divergência jurisprudencial relativa à natureza do registro do produtor rural, se declaratória ou constitutiva, a LFR, no artigo 48, § 3º, estabeleceu que, para a contagem do prazo de dois anos de atividade empresarial, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física deverá ser feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural – ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituí-lo – e pela Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física e balanço patrimonial.

Desse modo, a alteração na Lei definiu que o período em que os produtores rurais exerceram a atividade como pessoas físicas também computará na contagem dos dois anos de atividade para o pedido de recuperação judicial, desde que devidamente comprovados documentalmente.

Ainda, relativamente à recuperação judicial do produtor rural, o artigo 49, § 6º, na LRF, prevê que somente estarão sujeitos aos processo recuperacional os créditos que decorram exclusivamente da atividade rural.

Por fim, no que concerne ao sexto e último ponto em destaque, uma relevante alteração na Lei de Falência e Recuperação Judicial é a possibilidade dos credores apresentarem um plano de recuperação judicial alternativo caso o devedor, após a prorrogação do stay period, não conseguir colocar em votação seu plano ou se o tiver rejeitado.

Assim, o administrador judicial submeterá à votação em assembleia geral de credores a concessão de prazo de 30 dias para que seja apresentado o plano de recuperação judicial pelos credores. Esse prazo somente será concedido em caso de aprovação de credores que representem mais da metade dos créditos presentes na assembleia.

O plano de recuperação judicial alternativo, proposto pelos credores, somente será levado à votação caso preenchidas cumulativamente uma série de condições elencadas no artigo 56, § 6º, da LRF, quais sejam:

i. não preenchimento dos requisitos previstos no § 1º do art. 58;

ii. preenchimento dos requisitos previstos nos incisos I, II e III do caput do art. 53;

iii. apoio por escrito de credores que representem mais de 25% dos créditos totais sujeitos à recuperação judicial ou mais de 35% dos créditos dos credores presentes na assembleia geral de credores que deliberou pela apresentação de plano alternativo;

iv. não imputação de obrigações novas, não previstas em lei ou em contratos anteriormente celebrados, aos sócios do devedor;

v. previsão de isenção de garantias pessoais prestadas pelas pessoas naturais em relação aos créditos que sejam de titularidade dos credores que apoiaram o plano alternativo, que não poderá impor sacrifício maior ao devedor e a seus sócios do que aquele que decorreria da liquidação em uma falência.

Como pode-se notar, de forma geral, o texto é muito importante para o empresariado brasileiro, pois moderniza a Lei 11.101/2005. Com efeito, as modificações na Lei de Falência e Recuperação Judicial têm como escopo a facilitação do acesso da recuperação judicial ao empresário, bem como facilitar os meios alternativos de resolução de litígios relacionados ao processo recuperacional, sobretudo em razão das dificuldades sobrevindas com a pandemia de COVID-19.

Por fim, podemos concluir que as nova lei também busca trazer maior efetividade à recuperação judicial e extrajudicial, e à falência, garantindo um procedimento em tempo razoável que permita o pagamento dos credores e a recuperação do empresário.

Michel Oliveira é advogado do time de Recuperação de Crédito da TMB Advogados.

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