06.03.2023

Risco sacado: entenda a operação por trás da queda das ações de uma das maiores empresas do mercado varejista

Por Luiza Gregori Porto

Nos últimos meses, o rombo bilionário envolvendo as contas de uma das maiores empresas do mercado varejista tomou conta do noticiário e afetou significativamente seu valor de mercado, cujas ações, desde a divulgação das inconsistências contábeis, caíram mais de 90%. Referida inconsistência decorreu da falta de lançamento de operações conhecidas como ‘risco sacado’, muito comum no mercado varejista.

O risco sacado é uma modalidade de crédito utilizada por empresas em conjunto com bancos e instituições financeiras (fonte financiadora), na qual se oferece a antecipação de valores que seriam pagos a prazo, relativos à prestação de serviços ou à venda de produtos. A sua maior vantagem é possibilitar a obtenção de crédito à vista por empresas que precisam de recursos econômicos para financiar e otimizar sua cadeia de suprimentos e atender às demandas de seus fornecedores e compradores, pesando ainda, a seu favor, o fato de toda a operação ocorrer de forma rápida e automatizada.

A antecipação do crédito possibilita aos fornecedores obter dinheiro em caixa para quitar dívidas, investir em seu negócio ou realizar outras ações que requerem recursos financeiros de curto prazo sem que tenham a necessidade de recorrer a empréstimos. Por outro lado, as varejistas se beneficiam dessa operação, pois conseguem ampliar os prazos de pagamento de seus fornecedores, desafogando seu fluxo de caixa e possibilitando um gerenciamento mais eficiente do seu capital de giro. Além disso, essa otimização financeira também pode melhorar as relações com os fornecedores, proporcionando um ambiente mais seguro para suas operações.

Exemplificando de forma prática: imagine que um fornecedor realize vendas para uma varejista no valor de R$ 100.000,00, cujo prazo de pagamento é de 90 dias. Como decorrência da venda, é emitida a respectiva nota fiscal/fatura pelo fornecedor, que pode antecipar o seu recebimento junto a uma fonte financiadora mediante deságio. Ou seja, o fornecedor aceita receber R$ 90.000,00 à vista da instituição financeira, ao passo que a instituição financeira receberá o valor total da nota fiscal/fatura da varejista no prazo original de 90 dias.

Como antecipado, a operação é simples e oferece vantagens para todas as partes, o que resultou na sua ampla utilização pelo mercado.

Entretanto, ao ocultar as informações sobre as dívidas relativas a essa operação, a empresa também oculta a real percepção acerca da sua alavancagem de curto e longo prazo, informação crítica para as instituições financeiras que analisarão a viabilidade de concessão desse tipo de crédito. Isto é, ao deixar de constar as operações de risco sacado em seu balanço, não as divulgando como dívida, mas sim como uma conta de fornecedores e os juros que seriam pagos ao Banco como uma redução na conta de fornecedores, em vez de uma despesa financeira da empresa varejista, oculta-se sua real alavancagem.

Ressalte-se que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão que regula e supervisiona o mercado de capitais nacional, já vinha alertando sobre os perigos do uso da operação de risco sacado, sobretudo como meio de alavancar indevidamente o balando das empresas e ocultar seu verdadeiro endividamento, em um ofício circular do ano de 2021.

Apesar do ocorrido, fica claro que a operação de risco sacado não é um problema, dada as suas vantagens e, principalmente, a facilidade e simplicidade que o sistema oferece para obtenção de valores em curto espaço de tempo, o que favorece as empresas do mercado varejista. Entretanto, alguns cuidados devem ser tomados ao solicitar esse tipo de operação, como qualquer outra.

É essencial que ela seja corretamente contabilizada sob pena de que a demora na percepção da degradação da saúde financeira seja identificada apenas em um ponto em que não seja possível recuperá-la, como pode ter ocorrido recentemente.

Além disso, para realizar o risco sacado é importante que a empresa tenha uma boa projeção de fluxo de caixa, considerando que os recebíveis que foram antecipados obviamente não entrarão no caixa.

Luiza Gregori Porto é advogada, graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, integrante da equipe do time Contencioso Cível da TMB Advogados.

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