02.08.2021

A Contratação de Pessoas Jurídicas e a Justiça do Trabalho

Por Marina Sewaybricker Fernandes

O mundo hoje em dia não é o mesmo de anos atrás. Pode-se dizer que, em 10 anos, a sociedade mudou o que não havia mudado nos 30 anteriores. O avanço rápido da tecnologia e da ciência fez com que tudo se alterasse rápido demais. E, com as relações humanas e sociais, não poderia ser diferente.

No direito, há uma expressão famosa que diz: “Primeiro nasce o direito, para depois nascer a Lei”. Mas o que ela significa? É que primeiro nasce a situação, a controvérsia ou o negócio jurídico, para, após, alguém estudar a questão e decidir sobre ela, ou então somente após o processo é que surge a manifestação do Tribunal e das Cortes Superiores e somente em casos reiterados é que surge a Lei.

E é por essa razão que o mundo jurídico não acompanha em tempo real todas as situações do mundo atual. E com a Justiça do Trabalho não poderia ser diferente.

Hoje em dia, existe um intenso debate acerca das chamadas “pejotizações”, que nada mais são do que a prestação de serviços por meio de pessoa jurídica, com a emissão de notas fiscais e devidamente regulada em nossa legislação. E o fenômeno da “pejotização”, apesar de muito comum, ainda é rechaçado pelo Poder Judiciário e operadores do direito trabalhista.

Evidente que não se ignora a conquista trabalhista que a Consolidação das Leis do Trabalho representa para o Brasil, garantindo direitos que antes não existiam, como 13º salário, férias remuneradas, FGTS, entre outros.

Todavia, como já adiantado, as relações mudaram e, por consequência, as relações trabalhistas também. Não se discutirá por quais razões as relações trabalhistas mudaram e nem qual é o melhor ou o pior modelo, o fato é um só: está cada vez mais frequente a contratação de serviços por meio de pessoa jurídica com a emissão de notas fiscais. Relações as quais, não raras vezes, são discutidas na Justiça do Trabalho, que reluta em reconhecer a validade do contrato de prestação de serviços.

Para a caracterização de uma relação típica de trabalho, devemos observar alguns requisitos, como a pessoalidade, a habitualidade nos serviços prestados, a subordinação do empregado ao empregador e o pagamento da contraprestação, ou seja, o salário.

O principal ponto que difere uma relação típica trabalhista de um contrato entre pessoas jurídicas é que neste último não pode existir a subordinação entre as pessoas jurídicas, ou seja, não pode existir qualquer controle de uma pessoa jurídica para com a outra, por exemplo, o controle do horário ou a imposição de ordens.

Pessoas jurídicas devem ser tratadas como tal, isto é, com autonomia para a execução dos seus serviços e sem o controle que se exerce sobre um funcionário contratado nos moldes da CLT. Claro que não se diz que não possa existir qualquer cobrança, afinal, ao fechar um contrato, se espera que os serviços sejam prestados de acordo com o pactuado, mas não pode existir a cobrança idêntica à de um empregado.

A Justiça do Trabalho, nas decisões em casos semelhantes, apega-se principalmente nesse ponto de se a cobrança existente é similar à de um empregado comum, como controle do seu horário, subordinação a um superior hierárquico da empresa, entre outras questões. Nessas hipóteses há a condenação da empresa tomadora em verbas trabalhistas, decorrentes do reconhecimento de vínculo de emprego.

Em resumo, os órgãos trabalhistas (aqui, além da Justiça do Trabalho, insere-se o atual Ministério da Economia e o Ministério Público do Trabalho) aparentam ser resistentes às relações modernas de prestação de serviços, ignorando, muitas vezes, que os próprios prestadores de serviços não desejam ser funcionários típicos por inúmeros motivos, ou mesmo as práticas dos nichos de mercado de trabalho em que atuam.

Também no ramo do direito há outra expressão famosa: “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”. Para o presente texto, essa frase também se aplica, na medida em que se discute a contratação de pessoas jurídicas em casos de profissionais que pactuam o contrato em igualdade, sem subordinação entre as partes. Ou seja, não há como chancelar a contratação de prestadores de serviços para trabalhadores hipossuficientes e que não têm conhecimento do que um contrato dessa natureza implicaria aos seus direitos trabalhistas.

Todavia, nos casos de prestação de serviços por meio de nota fiscal em que se está falando de salários altos e pessoas amplamente capacitadas, as quais, inclusive, usufruem de benefícios fiscais com a prestação de serviços por meio da pessoa jurídica, não há razão para não se reconhecer como válido o contrato assim celebrado.

A reforma trabalhista trouxe a alteração no artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho, o qual prevê que as partes são livres para estipular a forma de contratação em casos de trabalhador que tenha diploma de nível superior e receba até duas vezes o limite máximo da Previdência Social, porém, na prática, não observamos ainda a chancela judicial do referido artigo.

Inclusive, não se pode ignorar que o Supremo Tribunal Federal, recentemente, julgou ação que considerou como válida a contratação por pessoa jurídica em atividades intelectuais, para fins tributários, o que, por certo, passará a ser utilizado na esfera trabalhista.

Entretanto, acredita-se que a Justiça do Trabalho, no futuro, acompanhará as mudanças nas relações trabalhistas entre pessoas e, quem sabe, chancelará como válido os contratos firmados entre pessoas jurídicas que, verdadeiramente, se comportem como pessoas jurídicas no ambiente do trabalho.

Marina Sewaybricker Fernandes é advogada do time Trabalhista da TMB Advogados.

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