12.06.2023

A quebra do sigilo bancário no direito do trabalho

Por Vitor Junqueira

A Constituição do Brasil estabelece, em seu artigo 5º, os direitos fundamentais individuais, que são os direitos centrais, descrevendo nos seus incisos os vários e específicos aspectos da existência individual. Os direitos fundamentais desempenham um papel essencial no Estado Democrático de Direito, uma vez que sua existência depende do reconhecimento desses direitos.

O conteúdo dos direitos fundamentais é flexível, sujeito a variações e muitas vezes só se revela em situações concretas, o que pode resultar em conflitos entre esses direitos ou em confronto com outros direitos constitucionais. No campo do direito público, defende-se que, em caso de conflito, os interesses públicos devem prevalecer sobre os interesses individuais.

No sistema jurídico brasileiro, o sigilo bancário, embora não de forma direta, é sempre tratado como um desses direitos fundamentais individuais, uma proteção derivada da interpretação do direito à privacidade e à inviolabilidade dos dados pessoais, conforme estabelecido nos incisos X e XII do artigo 5º da Constituição Federal.

As informações relacionadas às atividades bancárias têm um impacto significativo na privacidade das pessoas, o que justifica a afirmação de que o sigilo bancário está intrinsecamente ligado ao direito à privacidade. De fato, as instituições financeiras possuem registros detalhados das transações financeiras realizadas por indivíduos e suas empresas, os quais frequentemente incluem dados sobre a vida privada, intimidade, honra e imagem das pessoas.

Apesar da indiscutível importância dos direitos fundamentais, é importante ressaltar que eles não são absolutos, uma vez que podem sofrer restrições diante da análise de casos específicos, mediante a atuação do Poder Judiciário. De fato, os direitos e garantias fundamentais não devem ser invocados para encobrir atividades ilícitas ou eximir-se de responsabilidades.

Portanto, direitos fundamentais como o direito à intimidade, privacidade e sigilo de dados podem ser restringidos ou violados apenas em circunstâncias excepcionais, mediante autorização do Poder Judiciário.

Nesse contexto, destaca-se a Lei Complementar nº 105 de 2001, que foi estabelecida com o propósito de regular o sigilo bancário e fiscal. De acordo com a legislação, embora as instituições financeiras tenham o dever de preservar o sigilo das suas operações ativas e passivas, bem como dos serviços prestados, este poderá ser excepcionalmente afastado para investigação de qualquer atividade criminosa, assim como determinadas infrações administrativas e condutas que demandem a abertura e instrução de processo administrativo fiscal.

Nessa perspectiva, ao considerar tanto o texto constitucional quanto a Lei 105/2001, é estabelecido que a flexibilização do dever de sigilo bancário pode ocorrer quando houver o objetivo de proteger o interesse público, não sendo cabível, por outro lado, para atender a interesses nitidamente particulares, especialmente quando não caracterizar uma medida coercitiva, mandamental, indutiva ou sub-rogatória, conforme definido pelo art. 139, IV, do CPC.

No âmbito da Justiça do Trabalho, essa medida é adotada durante a fase de execução, após a utilização de todos os meios disponíveis para localizar bens penhoráveis, e mesmo assim somente em situações extremamente excepcionais, nas quais existem indícios de prática de crimes.

A excepcionalidade dessa medida, além de exigir a estrita observância dos requisitos formais, requer cautela em sua aplicação, sendo justificada somente quando houver indícios de que os devedores estejam utilizando meios fraudulentos. Vale ressaltar que a mera falta de bens para satisfazer o crédito por si só não autoriza a quebra do sigilo bancário nem gera indícios de fraude por parte dos executados.

Para alcançar esse objetivo, é necessário demonstrar a necessidade de utilização do meio de prova solicitado. O entendimento consolidado pelo TST é que a quebra indiscriminada do sigilo bancário dos devedores não pode ocorrer. Desta forma, a Resolução 140/2014 do CSJT estabelece diretrizes e restrições ao acesso às informações geradas a partir das quebras de sigilo no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, por meio do Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias – SIMBA.

Para autorizar a violação excepcional do sigilo bancário, o Judiciário realiza uma análise valorativa dos interesses envolvidos e avalia se a medida é razoável, considerando as circunstâncias fáticas e jurídicas do caso. Além disso, antes de decidir sobre a quebra do sigilo, o Judiciário deve fornecer ao sujeito passivo da medida a oportunidade de contra-argumentar, exceto em casos de urgência ou perigo de ineficácia da medida.

Além disso, a decisão de quebra de sigilo bancário e fiscal deve estar em conformidade com a norma do art. 93, IX da Constituição Federal, que exige que as decisões sejam devidamente fundamentadas pelos magistrados, sob pena de nulidade. O princípio da fundamentação é uma garantia constitucional que permite o controle das decisões pelas partes, uma vez que devem estar embasadas em argumentos jurídicos.

Embora os indivíduos tenham não apenas direitos, mas também deveres, como o de honrar o pagamento de obrigações trabalhistas, a quebra do sigilo bancário exclusivamente para satisfazer o crédito exequendo (em relação a um interesse patrimonial disponível, ou seja, um interesse essencialmente privado) constitui uma mitigação desproporcional desse direito fundamental, que deriva dos direitos constitucionais à inviolabilidade da intimidade e ao sigilo de dados. Portanto, o uso dessa medida executiva atípica é inadequado.

Nesse sentido, a quebra do sigilo bancário, por se tratar de uma medida de obtenção de provas sem caráter terminativo na fase executória, não é cabível a interposição de recurso na Justiça Especializada do Trabalho. No entanto, quando se depara com decisões que possam causar danos irreparáveis e que contrariem a lei, como no caso da quebra do sigilo bancário, é possível impetrar o Mandado de Segurança, que tem como objetivo corrigir atos ou omissões de autoridade que sejam ilegais e ofensivos a direitos individuais ou coletivos, desde que líquidos e certos.

Vitor Junqueira é advogado do time trabalhista da TMB Advogados.

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