05.06.2020

COVID-19: Doença Ocupacional?

Por Maurício Ferreira Reggiani

O atual cenário vivenciado pela pandemia da COVID-19 mudou repentinamente as atividades laborais como um todo. Iniciando-se pelos setores que se adequaram ao home office, até atividades essenciais que não podem parar visando mínima manutenção da normalidade, subsistência, segurança e saúde, bem como áreas que, infelizmente, sofreram impacto direto e se utilizaram das medidas governamentais que visam, por exemplo, suspensão do contrato de trabalho e redução da jornada e salário.

Logo de início, os trabalhadores e empregadores foram bombardeados por diversas recomendações, medidas e cautelas objetivando garantir a saúde no ambiente de trabalho, primeiramente pelas orientações da Organização Mundial da Saúde, Notas Técnicas proferidas pelo Ministério Público do Trabalho e decretos proferidos pelos estados e municípios.

Porém, diante do atual panorama de pandemia e amplo índice de disseminação do coronavírus, a contaminação pode ocorrer em qualquer situação, tais como: no contato com familiares e amigos assintomáticos, na rua, usando transporte público, durante as compras em estabelecimentos comerciais ou, até mesmo, ao receber alimentos e produtos via entrega em domicílio. Dessa forma, determinar o momento exato da contaminação pela COVID-19 apresenta-se praticamente impossível, assim como dificilmente há como estabelecer nexo causal direto com o trabalho e a doença.

Diante das circunstâncias recentes, caso o empregado seja diagnosticado com a COVID-19, a patologia será considerada como doença ocupacional?

Durante o momento vivenciado, o primeiro instrumento legal que tratou especificamente do tema foi a Medida Provisória 927/20, que dispõe explicitamente em seu artigo 29: “Os casos de contaminação pelo coronavírus (Covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”. Ansiando em consolidar, logo de plano, ditames para afastar a imputação direta de nexo causal ao empregador.

Diante da vigência imediata atrelada à Medida Provisória e o grande desconhecimento acerca da pandemia do coronavírus, o texto passou a ser alvo de especulações e controvérsias no meio jurídico. Como consequência, o referido artigo da MP 927/20 foi incluído como alvo nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, ajuizadas perante o Supremo Tribunal Federal.

Contudo, a MP 927/20 perdeu a validade em razão do Senado Federal não ter efetivado a votação do texto até o prazo limite. Como os senadores não chegaram a um acordo sobre a votação das normativas estabelecidas, o texto não restou convertido em lei.

Mesmo com a ausência da conversão em lei da Medida Provisória, a questão certamente será analisada à luz das disposições apresentadas pela Lei 8.213/91 (Regime Geral da Previdência), especificamente no ordenado pelo artigo 20, § 1º, alínea “d”, que estipula que as doenças endêmicas não são consideradas doenças ocupacionais, assim como patologias degenerativas, inerentes a grupos etários ou que não acarretem incapacidade para o trabalho.

Dessa forma, inexiste presunção de causa e efeito entre a atividade profissional e a doença, sendo necessária a realização de perícia médica realizada pelo INSS ou, dependendo do caso, judicial, para reconhecimento de doença ocupacional.

Portanto, caberá ao empregador se adequar e tomar providências enérgicas com intuito de seguir as recomendações dos órgãos competentes frente às medidas de higiene e saúde, principalmente as direcionadas à sanitização e ao distanciamento, tais como: disponibilizar lavatórios, álcool em gel 70%, divulgar informativos relacionados aos cuidados básicos de higiene, fornecer treinamentos e EPIs (com ênfase nas máscaras de proteção facial), fomentar medidas de higiene respiratória, promover o distanciamento seguro entre os postos de trabalho (até mesmo no intervalo para descanso e alimentação), remanejamento dos fretados, elaborar Laudos Técnicos por clínicas médicas ocupacionais para amparar os melhores procedimentos adequados a cada segmento e ambiente de trabalho, entre outros. Ademais, no que pertine as atividades não essenciais, a empresa deverá se utilizar de medidas de contingência como redução da força de trabalho, adequação de escalas e adoção de home office, por exemplo.

Reforçando-se que, no ambiente de trabalho, assim como na convivência geral, o momento atual espelha pela observância dos princípios da cooperação e solidariedade frente a prevenção e saúde.

Assim sendo, as medidas adotadas pelas empresas devem ser amplamente documentadas e divulgadas, até mesmo via relatório fotográfico, uma vez que servirão tanto para proteger os empregados e a sociedade como um todo, quanto para comprovação em caso de questionamento administrativo ou judicial, principalmente para impugnar a presunção de causa e efeito entre a atividade profissional realizada e eventual contágio com coronavírus.

Maurício Ferreira Reggiani é advogado do time trabalhista da TMB Advogados.

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