25.09.2023

O direito a vida, quando ele se sobrepõe ao direito de liberdade religiosa? Da recusa terapêutica de recebimento de transfusões sanguíneas por crença religiosa.

Por Paula Lanzi de Godoy

Para nós da área do direito, esse é um tema muito discutido ao ingressar na faculdade. Muitas teses são criadas estabelecendo-se um grande dilema ético e jurídico sobre qual direito deve prevalecer. O direito a vida ou a liberdade religiosa?

Ambos são direitos fundamentais que são garantidos por nossa Constituição Federal. Contudo, sobre o aspecto jurídico da discussão, o que devemos analisar são as normas e diretrizes quanto ao tema.

O dilema mais comumente posto diz respeito a transfusão de sangue aos adeptos de religiões que não permitem referida intervenção médica, enquanto a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso VI, estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, o Conselho Federal de Medicina pela resolução 1021/80 dispõe que, havendo iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis. Por sua vez, o nosso Código Penal em seu artigo 146, § 3º, inciso I, também prevê que é possível a intervenção médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida.

Recentemente, o Conselho Federal de Medicina em sua nova resolução nº 2232 de 2019, assegurou ser direito do paciente maior de idade, capaz, lúcido, orientado e consciente a recusa à transfusão de sangue, devendo sua vontade ser respeitada pelo médico desde que esse informe o paciente dos riscos e as consequências previsíveis de sua decisão. Desta forma, sempre que possível, o direito à liberdade de escolha e a liberdade religiosa devem ser respeitados.

Cabem aos médicos e aos hospitais usarem todos os recursos existentes na medicina para que não seja realizada a transfusão de sangue, respeitando assim a escolha do paciente.

Entretanto, caso todas as opções de tratamentos e alternativas já tenham sido utilizadas, sendo a única opção para se preservar a vida do paciente a realização de uma transfusão de sangue, mesmo esse sendo maior de idade, capaz e lúcido e tenha recursado expressamente o tratamento, a resolução nº 2232 de 2019 do Conselho Federal de Medicina autoriza o médico a realizar o procedimento na tentativa de salvar o paciente.

Muitas críticas e questionamentos foram formados contra a nova resolução do Conselho Federal de Medicina, sendo proposto pela Procuradoria Geral da República, bem como por partidos políticos ações de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no Supremo Tribunal Federal, sob a justificativa de que a resolução fere o direito e liberdade a crença religiosa e o direito dessas pessoas não se submeterem a transfusões de sangue por motivo de convicção pessoal.

Não há ainda uma decisão final pelo Supremo Tribunal Federal acerca do dilema envolvendo a recusa terapêutica de transfusão de sangue por questões de cunho religioso. O entendimento dos tribunais estaduais é bastante diversificado. No estado de São Paulo, por exemplo, o Tribunal de Justiça, em sua maioria, entende por preservar o direito à vida.

Portanto, não há uma conclusão final quanto ao tema, estando em vigor a resolução do Conselho Federal de Medicina garantindo aos médicos a possibilidade de realizar as transfusões de sangue, mesmo que haja a recusa terapêutica quando houve risco a vida do paciente.

Paula Lanzi de Godoy é advogada na TMB Advogados, integrante do Time Contencioso Cível Estratégico, formada pela Faculdade Presbiteriana Mackenzie e especialista em processo civil.

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